terça-feira, agosto 23, 2005

Comentário às autárquicas!

Bem vindo novamente Cabanas e bem hajas por introduzires sempre temas tão interessantes...

Sinto natural dificuldade em comentar pessoas... aliás, há uma citação que diz mais ou menos isto: os fracos de espírito comentam pessoas, os "medianos" comentam eventos e os outros (os inteligentes, ou "clarividentes" - identifico-me mais com o termo: "aquele que vê as coisas com clareza") comentam ideias e abstracções.

Mas ao mesmo tempo não posso deixar passar em branco o teu anúncio oportuníssimo sobre o facto do nosso comum amigo Nuno Pancada ser o n.º 3 da lista do PS à Câmara de Ferreira.

E, agora, vou utilizar a pessoa, neste caso o Nuno Pancada, para falar das minhas ideias... e assim sou capaz de me conseguir livrar do epíteto de gajo que fala das pessoas e não de ideias!

Primeiro, endereço os parabéns daqui ao Nuno. Bem hajas tu também por ainda te predispores para ir ao ringue... Nas condições actuais da reputação da política e dos políticos, não é e não vai ser fácil! Dá-lhe com força, amigo!

Depois defendo já uma primeira ideia que reforço para que não existam dúvidas: sou um acérrimo defensor de que a consistência não se perde na mudança! Aliás, à medida das nossas experiências de homens viventes, pensantes e actuantes, o estranho era não mudarmos! A coerência acha-se muitas vezes na mudança!

(e neste caso, como acho que é para melhor, mais satisfeito fico! insidioso e parcial...)

O problema da inconsistência acha-se muitas das vezes é na razão de mudarmos: mera táctica, apenas consideração sobre interesses próprios ou clientelares - na "arte" da política a sério, estas manobras deveriam e podiam ser fortemente contestadas e penalizadas pelos eleitores -, etc., ou se a mudança, pelo contrário, resulta de uma reflexão profunda e da consideração de um conjunto de interesses ajustados àquilo que se pensa que é o bem comum da comunidade ou grupo, de alterações de orientações, de fios de prumo que se deixam de ajustar aos valores e ideias que defendemos!

A mudança do Nuno, a mim parece-me perfeitamente natural e de acordo com duas situações que a determinaram. Estes são os factores externos e objectivos (dos subjectivos só o Nuno nos pode elucidar, apesar de eu deixar algumas pistas que são apenas a minha leitura):
  • A deslocação do eixo do centro para a direita, com o consequente extremar de posições dos partidos tradicionalmente à direita (PSD e CDS/PP). A "economificação" e "financialização" da política meteram a social democracia na gaveta e a nova religião, que já se adivinhava é o "liberalismo competitivo". Esta é uma tendência global, já há muito identificada;

  • O acompanhamento do PS no movimento, que aproveitou para ocupar o espaço vazio deixado pelo afastamento do PSD. A eleição interna de Sócrates e a vitória nas legislativas foi já um claro sinal de moderação do "socialismo", abraçando valores "sociais-democráticos" típicos do centro e centro-direita. O PS instalou-se confortavelmente no CENTRÃO!

Portanto, através da mudança, se mantém a coerência... e o Nuno, na minha leitura, fez a transição através de um processo de reflexão aprofundada, que não vem de hoje, ajustando os seus valores e ideias às correntes alternativas dentro do panorama político actual... e fê-lo em consciência! Por aquilo que conheço do Nuno não me parece ver aqui nada de movimento táctico. As circunstâncias mudaram, a proveniência de classe do Nuno também sentiu na pele (como todos nós vamos sentido e quem reside nas regiões periféricas sente ainda mais) a pouca consideração que uma lógica fragmentária baseada apenas na competição e na economia de mercado - questão amenizada no discurso do PS (muitas vezes somente no discurso) - faz à vida dos cidadãos livres da Europa e zás, decide mudar... E pelas (infelizmente) poucas conversas que tenho tido com ele... o movimento de transição já se vinha antevendo desde há algum tempo! E é lógico e natural que tenha também contemplado as suas motivações e ambições pessoais, de pertença à comunidade e de espírito de prestar serviço...

Outra questão relevante, em meu entender, também se coloca na falta ou nenhuma geração de valor acrescentado para a discussão política, nas questiúnculas que entretém muitas vezes as estruturas locais e regionais dos partidos! Perante fenómenos de transições destes, que são perfeitamente plausíveis no contexto político actual, faz algum sentido uma tão forte demarcação de posições em partidos que partilham muitas vezes o mesmo espaço político? Será que uma dinâmica cooperativa, apesar da manutenção de contornos competitivos, não seria muito mais útil para a defesa dos interesses regionais e locais? Evitariam-se com certeza muitos fenómenos de "clubite" que se continuam a ver em partidos políticos pertencentes a uma democracia supostamente "madura"!

Porque as questões se mantém na política, assim como em toda a nossa vida, deixo as seguintes interrogações: é o mundo que muda, somos nós que mudamos, nós mudamos o mundo, ou é mundo que nos muda?